BONECOS SEM INGENUIDADE - ESPETÁCULO DE BONECOS COM TEMÁTICA ADULTA

Cia de Teatro Nu no Escuro apresenta o espetáculo Plural - Foto: Layza Vasconcelos

Cia de Teatro Nu no Escuro apresenta o espetáculo Plural – Foto: Layza Vasconcelos


Bonecos sem ingenuidade 

Eduardo Félix fala da difícil missão de quebrar ideias cristalizadas de um teatro que não tem nada de infantil


PUBLICADO EM 27/12/15 - 04h00


Atrasado e ainda meio desnorteado, Eduardo Félix vai respondendo às perguntas sobre sua carreira, seus propósitos com o teatro de bonecos e as dificuldades a se enfrentar no mercado. Há 15 anos se dedicando à construção e manipulação de marionetes, ele se prepara para estrear o próximo espetáculo, ainda sem nome e, agora, também sem texto. “Acabei de ser assaltado há poucos dias e levaram meu computador com a adaptação do próximo trabalho que estreia em março. Vou ter que escrever tudo de novo”, conta com o humor de quem ainda não acreditava no ocorrido.
Apesar de todo o retrabalho, a proposta do espetáculo já está desenhada na cabeça de Eduardo e diz muito dos propósitos do grupo que fundou: o Pigmalião – Escultura que Mexe. A história parte da junção de dois textos. O primeiro é “Alguém”, da bonequeira Conceição Rosière, que discute as máscaras sociais, e “Os Ratos”, inspirado no conto “O Flautista de Hamelin” e no livro “Massa e Poder”, de Elias Canetti, sobre os mecanismos de controle de massa.
O cunho filosófico do texto é um dos princípios do Pigmalião. “Iniciei meu trabalho com marionetes no grupo Catibrum, onde percebi que tinha uma imagem errada do teatro de bonecos. Assim como quase todo mundo, ligava os bonecos à infância ou a temas populares e folclóricos”, conta.
A confusão, no entanto, não é a toa. “Grande parte da produção é isso mesmo. Embora tenha gente experimentando o teatro de bonecos como arte contemporânea, ainda topamos com esses preconceitos, mesmo dentro de ambientes artísticos como o teatro de ‘gente’”. É isso que explica o fato dos trabalhos “Seu Geraldo”, um boneco violeiro e conversador, e “Bira e Bedé”, esculturas de mais de dois metros de duas velhas gêmeas que percorrem as ruas de cidades, interagindo com os passantes, serem os mais requisitados do grupo. “Apesar de muitos grupos terem o propósito de fazer teatro adulto com bonecos, o que sustenta os coletivos é o teatro infantil. Eu sou teimoso e não faço, mas tive que pensar em espetáculos mais populares para conseguir vender as criações e pagar as contas do grupo”.
Mas, além dos espetáculos mais leves, o Pigmalião construiu as bases de seu teatro logo nos primeiros trabalhos em peças como “A Filosofia da Alcova”, uma adaptação da obra de Marquês de Sade.
“Eu queria deixar claro que estávamos propondo algo diferente e fizemos um espetáculo de bonecos proibido para menores de 18 anos. Queríamos ajudar a quebrar essa imagem cristalizada do teatro de bonecos associado a trabalhos infantis. E os espetáculos ficam até mais fortes quando exploramos essa ingenuidade que as pessoas esperam das marionetes para tocar em temas tabus, como o erotismo”, comenta.
Mas ele reforça que o tabu pelo tabu não interessa. É preciso buscar por algo que apenas os bonecos podem oferecer. “As pessoas pedem para montarmos Nelson Rodrigues. Mas ele já é tão bem montado por atores. Por que montar com bonecos? O que a gente faz é buscar o específico da linguagem”, enfatiza.
Realismo. A fim de fazer diferente, ele seguiu os ensinamentos que aprendeu com o bonequeiro inglês Stephen Montra sobre os detalhes da manipulação realista, que utiliza cerca de 20 fios, o dobro das marionetes clássicas. “Eu queria fazer algo que não via. É uma praxe do teatro de bonecos não seguir uma linguagem realista porque, qualquer deslize, o erro aparece. Com o Stephen, aprendi a simular que a marionete tem peso e isso é um principio nosso. É o que precisa para que o boneco pareça vivo”, explica.
Além da Catibrum, Eduardo ficou quatro anos no grupo Giramundo. Foi onde aprendeu a trabalhar com a madeira e descobriu que, além da modelagem de rostos, tinha interesse pela parte mecânica, o que faz os bonecos se moverem. Foi ainda como estagiário do grupo que ele participou da minissérie “Hoje É Dia de Maria”, dirigida por Luiz Fernando Carvalho e exibida na Rede Globo.
Ele foi o criador de um complexo mecanismo que fazia abrir e bater as assas de um pássaro, personagem da história. “A criação era detalhada e sensível e só eu sabia fazer a manutenção”, conta, relembrando que foi chamado às pressas para as gravações no Rio. “Fui sem mala e com a roupa do corpo”, ri.
Entre o corpo e as marionetes contemporâneas

Uma das questões caras a Eduardo Félix é a relação ator e boneco e as muitas possibilidades que podem ser criadas e vividas nessa interação. “Eu não separo as duas coisas. Antes, diziam que o bom manipulador é aquele que não é visto. Hoje, já existem alguns grupos que trazem os bonecos para o teatro de ‘atores’. São poucos exemplos, mas estamos num crescente”, diz.
FOTO: MOISES SILVA
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O bonequeiro Eduardo Félix exibe suas mais novas criaturas, ainda em construção
Um desses exemplos é “Real: Teatro de Revista Política”, recente trabalho do grupo Espanca! formado por quatro peças curtas. Uma delas, “O Todo e as Partes”, escrita por Roberto Alvim, conta, por meio de uma fábula, a história do atropelamento do ciclista David Santos Souza. Ele teve um braço amputado na avenida Paulista, em 2013, por um estudante de psicologia alcoolizado que o atropelou quando ele ia para o trabalho de bicicleta.

Para dar conta de encenar a dureza do fato, os atores optaram pela linguagem de bonecos e transformaram um braço, que se acopla ao corpo dos atores, no protagonista da apresentação.
“Nessa montagem, me permiti fazer coisas que não faço com meu grupo. Como Allysson Amaral, um dos atores que integraram o elenco, é também bailarino, resolvi explorar isso e criar uma coreografia em que ele manipula o braço que dança no ar”, conta.

Eduardo ainda tem planos para estreitar a relação com o Espanca! em espetáculo que fará sua estreia no ano que vem e será o primeiro trabalho de rua dos dois grupos. “Vamos abordar o universo da rua Aarão Reis, território singular do centro da cidade. O Espanca! faz forte crítica política e social e o Pigmalião tem uma proposta filosófica. Esse casamento vai ser no mínimo provocador”, diz Eduardo. 
Fonte:http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/bonecos-sem-ingenuidade-1.1200692


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